Istanbul...ou o "Despertar do Príncipe"
O Grande Auditório da Gulbenkian encheu-se para receber Jordi Savall, que deu a conhecer o seu Istanbul, nos passados dias 6 e 7 de Novembro.
Antes do concerto houve tempo para um breve encontro com o público.
Jordi Savall esteve à conversa com Rui Vieira Nery e falou da importância da memória e da emoção, citando uma expressão de Leonardo da Vinci: “Só nos recordamos das coisas que verdadeiramente nos emocionam”.
As músicas populares são para ele as que têm mais emoção e as que melhor definem a história de um povo. Por exemplo, as músicas sefarditas, os fados, as músicas escocesas ou irlandesas, as canções catalãs, são sobreviventes pois sobreviveram ao esquecimento e ajudaram os povos que as cantavam a sobreviver; isso é o que lhes dá tanta força e tanta beleza.
Jordi Savall explicou ainda que na época antiga, a linguagem musical do oriente e do ocidente era comum. A separação surgiu quando o ocidente introduziu a harmonia, o contraponto e a polifonia.
Os povos orientais têm preservado a sua memória histórico-musical, existindo uma continuidade no processo evolutivo da música. Pelo contrário, no ocidente o processo amnésico tende a aumentar.
Na opinião de Jordi Savall, música e a cultura são as únicas portas que ainda podem promover o diálogo entre os povos.
Quando é profunda, emocionante, bela, a música pode mudar-nos.
Os músicos que colaboram com Savall têm tido um papel de extrema importância, que é o de fazer a “ponte entre oriente e ocidente”.
Recorrendo à nossa memória colectiva, Jordi Savall transporta o passado até ao presente, indo buscar as nossas origens mais remotas, fazendo-as renascer…nunca as deixando morrer.
Neste álbum lançado em Outubro de 2009 e que foi agora apresentado ao vivo na Gulbenkian, Savall divulga a música erudita instrumental da corte otomana do século XVII, alternando com música popular tradicional, representada aqui pelas tradições orais dos músicos arménios e da música das comunidades sefarditas que se instalaram em cidades como Istambul e Izmir, depois da expulsão da Península Ibérica.
O projecto envolve músicos de Hespèrion XXI (grupo fundado por Jordi Savall e sua esposa Montserrat Figueras), bem como alguns músicos convidados (Turquia, Arménia, Grécia, Marrocos, França) e teve como ponto de partida o Livro da Ciência da Música, antologia reunida por Dimitri Cantemir - Príncipe da Moldávia que viveu cerca de duas décadas em Istambul, primeiro como penhor da fidelidade do seu pai ao sultão, depois como representante diplomático do pai e do irmão enquanto governadores da Moldávia. Cantemir era um apaixonado pela história, pelo estudo das religiões, pela filosofia, pelas artes e pela música. Conta-se que era um excelente intérprete de Tanbur, instrumento de cordas dedilhadas da família do alaúde.
No Livro da Ciência da Música, Dimitri Cantemir reuniu 355 composições (nove das quais compostas por ele próprio), formando assim a mais importante colecção de música instrumental otomana dos séculos XVI e XVII conhecida.
O concerto durou cerca de 2 horas e encheu as medidas daqueles que iam à procura de boa música.
Jordi Savall, sempre muito sereno e compenetrado no seu trabalho enquanto instrumentista e director de orquestra, esteve em palco com o Hespèrion XXI e com alguns músicos convidados.
Os jardins da Gulbenkian como pano de fundo, foram sem dúvida alguma, o cenário ideal para desfrutar de uma panóplia de ritmos e cores vindos do oriente.
Melodias exóticas “invadiram” o Grande Auditório, transportando-nos ao passado...à corte otomana do Século XVII.
Quase podia sentir-se o aroma das especiarias…da cidade de Istambul…
Em jeito de conclusão, Savall apresentou os músicos que aproveitaram para tocar pequenas passagens a solo, nos seus exóticos instrumentos de nomes tão estranhos, para nós ocidentais: Ney, Kemençe, Oud Tanbur, Kanun, Kemancha, Duduk, Santur.
No fim do espectáculo foi possível adquirir alguns discos já esgotados nas lojas e houve ainda espaço para uma sessão de autógrafos com o afável Jordi Savall.
Esta foi apenas mais uma, das muitas passagens que Jordi Savall já fez pelo nosso país.
Só resta mesmo dizer: “Venham mais…”
Nota final: um magnífico concerto, que conseguiu trazer o oriente até terras ocidentais, em apenas duas horas carregadas de emoção e encantamento.
Jordi Savall é de facto uma alma musical brilhante.
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