Kátia Kabanová
Ópera em 3 actos, composta por Leos Janacek em 1921 e estreada no mesmo ano no Teatro Nacional de Brno (República Checa), onde teve uma recepção bastante positiva por parte do público.
O Libretto é de Vincenc Cervinka, que se baseou no romance A Tempestade de Aleksandr Ostrovsky, mas esta ópera inspirou-se sobretudo no grande (e não consumado) amor que Janacek nutriu por Kamila Stosslová (uma mulher casada e 38 anos mais nova), a quem a ópera é dedicada.
“E era a tua imagem que eu via em Kátia Kabanová quando estava a escrever”, foram as palavras de Janacek à sua amada.
Esta é talvez a mais simples e marcadamente trágica das óperas do compositor, apresentando um retrato incomparavelmente rico, pungente e terno da heroína.
Admirador de longa data de Puccini, Janacek encontrava grandes semelhanças entre o destino de Kátia e o de Cio-Cio-San em Madame Butterfly.
Junto às margens do Rio Volga, Boris desabafa com Kudriach. Diz-lhe que se vê obrigado a viver com o seu autoritário tio (Dikov), condição imposta pelo testamento de que é herdeiro. Confessa ainda que está apaixonado por uma mulher casada – Kátia Kabanová.
Em casa dos Kabanov, também Kátia desabafa com Várvara (filha adoptiva dos Kabanov), dizendo-lhe que tem tido sonhos pecaminosos com outro homem.
Kátia vive aterrorizada com a ideia de trair o marido e é com este espírito, que lhe implora que a obrigue a fazer um juramento: nunca olhar para outro homem, enquanto Tichon estiver ausente.
O marido recusa tal pedido e é a sogra quem dita as regras de comportamento de Kátia,
Kabanicha é uma mulher autoritária que atormenta a vida de Kátia e do próprio filho, um cobarde que cede aos caprichos da dominadora mãe. Na realidade, Tichon é um fraco que se entregou à bebida por não ser capaz de enfrentar os problemas.
A personagem de Kátia movimenta-se entre a paixão e o remorso, pois vive permanentemente dividida entre aquilo que sente por Boris e a culpa que acarreta esse sentimento, sendo ela uma mulher casada.
É Várvara quem proporciona o primeiro encontro entre os dois amantes.
Enquanto Boris aguarda a chegada de Kátia, também Kudriach espera por Várvara.
Quando finalmente chega, Kátia a principio resiste mas acaba por ceder, admitindo que também está apaixonada. No entanto os sentimentos de culpa invadem a mente de Kátia cada vez mais, de dia para dia e corajosamente numa tarde de “acesa” tempestade, acaba por confessar o adultério.
Confrontada com um ambiente familiar cada vez mais pesado e com a súbita partida de Boris para a Sérvia, Kátia resolve por termo à própria vida, lançando-se nas águas do Volga.
Foram seis as récitas que o Teatro Nacional de S.Carlos apresentou entre os dias 8 e 18 de Janeiro. Aquela a que assisti teve a sala quase cheia.
Kátia Kabanová é uma ópera “pesada”, com intensa carga dramática. É também uma ópera de difícil interpretação quer a nível vocal quer a nível orquestral, mas isso não se fez sentir.
Os dois cantores principais Arnold Bezuyen (Boris) e Ausrine Stundyte (Kátia) estiveram à altura daquilo que lhes era exigido e conseguiram conquistar o público. O mesmo se passou com a orquestra.
O texto está escrito de forma simples, leve e extremamente romântica.
Quanto ao cenário, embora estivesse um pouco pobre, era bem descritivo do drama que estava a relatar. Durante a tempestade, quando Kátia decide contar toda a verdade, um cartaz com uma “figura demoníaca” está presente, simbolizando o pecado cometido.
Sobre o compositor - Leos Janacek (1854/1928)
Nasceu no seio de uma família humilde.
Os seus pais eram professores e esperavam que o filho seguisse o mesmo destino, mas desde pequeno Janacek mostrou ser uma criança dotada no campo musical. Enquanto jovem cantou num grupo coral e tocou órgão, no entanto despertou tarde para a composição e tinha quase 50 anos quando completou a sua primeira ópera de sucesso: Jenufa
O seu primeiro trabalho coral foi escrito, enquanto mestre de coro da Associação Svatopluk.
Em 1874 Janacek ingressa na escola de órgão de Praga, onde aprende órgão e piano. É nessa cidade que inicia actividade como crítico no jornal Hudebni Listy , chegando mesmo a criticar alguns dos seus professores (acto que quase lhe valeu a expulsão da escola).
Em 1875 termina a sua aprendizagem com distinção e regressa a Brno, onde exerce funções como docente no Instituto de Brno e mestre de coro da Sociedade Filarmónica Beseda Brneska.
Entre 1879/1880 estuda piano, órgão e composição no Conservatório de Leipzig. Durante esse período compõe Thema con Variazioni. Posteriormente matricula-se no Conservatório de Viena.
Algum tempo depois assume o cargo de director da escola de órgão (cargo que ocupa até 1919) quando a escola se torna o Conservatório de Brno).
É a partir de 1880 que começa a compor mais sistematicamente.
Enquanto se dedicava à composição, estudava música folclórica Morávia e desenvolveu a ideia de que as linhas melódicas deviam reflectir os ritmos e o tom do idioma checo.
Em 1881 casa-se com Zdenka Schulzová, sua aluna.
Em 1887 escreve a sua primeira ópera Sarka (ao estilo de Wagner e Smetana). A partir daqui, revela grande interesse pela tradição e cultura popular da música e danças da Morávia, dedicando-se ao estudo daquelas manifestações expressivas.
Em 1903, após o falecimento de sua filha dedica-lhe a ópera Jenufa. Seguem-se outras óperas como: Osud e Kátia Kabanová.
Em 1916, a representação da ópera Jenufa estabelece finalmente a sua reputação de compositor, dando-lhe acesso aos maiores palcos de ópera.
Em 1917 conhece Kamila Stosslová, que o inspira a compor Kátia Kabanová.
Durante o seu casamento, Janacek teve várias paixões, mas nenhuma tão importante como o seu amor por Kamila Stosslová, uma mulher casada e 38 anos mais nova que ele (ele tinha 63 anos e ela 25).
De um dia para o outro, passou a ser a sua musa, e embora se pense que a paixão deles nunca foi consumada, Janacek viveu obcecado com ela até à sua morte. Kamila excitava a sua imaginação romântica e inspirou os principais papéis femininos das suas óperas. Depois de terminar Kátia Kabanová, escreveu a Kamila: “Bem sabes que é a tua ópera”.
Em 1918 compõe Taras Bulba (música orquestral).
Em 1920 abandona o cargo de director no conservatório, mas continua a dar aulas até 1925.
Em 1921 dá-se a estreia da ópera Kátia Kabanová.
Em 1923 completa a ópera A raposinha matreira.
Em 1924 Max Brod publica uma biografia sobre Janacek.
Em 1925 Janacek deixa de dar aulas, mas continua a compor.
No mesmo ano vai para Inglaterra. Em Londres muitos dos seus trabalhos são executados, incluindo o seu primeiro quarteto de cordas.
Em 1926 compõe Sinfonietta e Missa Glagolítica (música sacra).
Em 1928 compõe Da casa da morte, estreada em 1930 (dois anos após sua morte).
Em 1928 Janacek morre vítima de pneumonia.
Leos Janacek é um dos compositores de ópera mais significativos do Séc. XX e a par de Smetana ou Dvorak (por quem foi fortemente influenciado), assume-se como um dos mais destacados compositores de origem checa.
Pertence a uma onda de compositores que tinham grande realismo e conexão com a vida do dia a dia.
Mais do que qualquer outro compositor nacionalista, integrou completamente nas suas obras, os aspectos da música folclórica do seu país.
Dedicou-se desde cedo à crítica e à pesquisa de música folclórica, mas sendo uma pessoa conflituosa e demasiado individualista, chegou a arranjar problemas com alguns professores.
Janacek consegue criar momentos de densidade e textura dramática que caracterizam uma parte dos seus trabalhos.
Nos últimos anos de sua vida tornou-se uma celebridade, chegando mesmo a ser membro da Academia de Artes em Berlim (1927), junto com Arnold Schonberg e Paul Hidemith.
-Abaixo, um vídeo da companhia de ópera ENO com um cenário semelhante ao do S.Carlos (co-produção entre os dois teatros):
http://www.youtube.com/watch?v=n_IKFSMomTc