Blue Monday nunca tinha sido exibida em Portugal e teve agora a sua estreia absoluta. Em temporadas anteriores, duas óperas de Gershwin já tinham passado pelo palco do S.Carlos; foram elas Porgy and Bess (temporada 1972/1973) e Lady be good (temporada 2002/2003).
Gianni Schicchi (de Puccini) é a terceira parte de um conjunto de três óperas, cuja versão original (Il Trittico) estreou no S.Carlos em 1955.
Entre 10 e 19 de Fevereiro, o público do S.Carlos pôde assistir novamente à ópera Gianni Schicchi, mas desta vez acompanhada de Blue Monday.
Blue Monday
Composta por Gershwin, esta é uma ópera jazz com 1 acto, de apenas 25 minutos.
O libretto é do inglês Buddy DeSylva que se baseou no verismo italiano de Il Pagliaci
A estreia foi em 1922 e foi recebida calorosamente. Quando mais tarde, foi apresentada na Broadway não foi tão bem recebida, devido ao seu final trágico.
Uma produção de 1925 (posterior a este insucesso) chegou a dar outro nome à ópera: 135th Street. Blue Monday retrata uma parte da vida nova iorquina pautada pelos sons habituais dos clubes de jazz.
Harlem (Nova Iorque), 21.30.
Vi procura por Joe no café onde tinham ficado de se encontrar. Tom tenta seduzi-la, mas Vi ameaça-o com a arma que o namorado lhe tinha dado e acaba por abandonar o Café quando Mike (o proprietário) a informa que Joe não se encontra por ali.
Enquanto varre o chão, Sam (o empregado) canta Blue Monday: “I got the blues Monday blues” (estou com a neura das segundas feiras).
Para ele este é um dia de azar…
Quando Joe chega ao café, confidencia a Mike que vai usar o dinheiro ganho no jogo para visitar a sua mãe, no entanto não vai mencionar esse facto a Vi, pois ela é muito ciumenta.
Joe vai ao encontro de Vi. Esta diz-lhe que só o ama a ele e que é uma mulher terrivelmente ciumenta, mas enquanto ele for sincero com ela, Vi só viverá para ele. Entretanto Joe tem de se ausentar por uns instantes, pois está à espera de um telegrama.
Tom “envenena” Vi dizendo-lhe que o telegrama é de uma mulher. Furiosa, ela acusa Joe de infidelidade mas ele afasta-a e Vi acaba por disparar a arma que transporta consigo.
Quando finalmente consegue tirar-lhe a carta lê: “Não precisas vir agora, Joe. A mãe morreu há três anos” (a carta estava assinada pela irmã).
Arrependida, Vi pede perdão a Joe…ele concede-lho mas já é tarde demais.
Joe prepara-se agora para ir ao encontro da mãe…no céu…
George Gershwin (1898/1937) foi um compositor e pianista americano que ficou conhecido pela sua colaboração em inúmeros espectáculos da Broadway, juntamente com o seu irmão Ira Gershwin.
Filho de pais russos que emigraram para os EUA em finais do séc. XIX, nasceu em Brooklyn em 1898.
Aos 10 anos George Gershwin começa a interessar-se por música, mas é com 12 anos (quando a família adquire um piano para o seu irmão) que esse interesse aumenta, tendo começado a frequentar aulas de piano com um vizinho.
Com 16 anos de idade abandona os estudos para seguir a carreira musical como pianista e compositor.
Com apenas 17 anos publica a sua primeira canção: "When You Want ‘Em You Can’t get ‘Em, When You’ve Got ‘Em, You Don’t Want ‘Em".
Em 1917 Rialto Ripples é um sucesso comercial.
Em 1918 três canções suas são aceites em espectáculos da Broadway.
Em 1919 compõe Lullaby para quarteto de cordas e estreia o primeiro espectáculo completo na Broadway: La Lucille.
A partir de 1920 inicia uma colaboração frequente com Buddy DeSylva. Juntos criam Blue Monday (composta em 1922)
Em 1924 estreia Lady be good e Rhapsody in Blue.
Em 1928 estreia An American in Paris.
Em 1929 George Gershwin é contratado pela Fox Film Corporation para compor uma música para o filme Delicious, desta forma compõe Dream Sequence.
Em 1930 estreia Girl Crazy.
Em 1932 compõe Cuban Overture.
Em 1935 estreia Porgy and Bess.
Em 1936 assina contrato com os Studios RKO e muda-se com o irmão para Hollywood. Colabora em filmes como: Shall we dance, A Damsel in distress,The Godwin follies.
George Gershwin morre um ano depois, no auge da fama durante uma intervenção cirúrgica a um tumor no cérebro.
Em 1937, após a sua morte é nomeado para os Óscares – categoria de melhor canção original: They can’t take that away from me.
É inegável a importância que Gershwin desempenhou na música clássica americana.
Ainda hoje e por todo o mundo, as pessoas sabem praticamente de cor músicas como S’wonderfull, I got rythm, Fascinating Rhythm, Someone to watch over me, Embraceable you.
São músicas que marcaram uma geração mas que continuam presentes nas nossas memórias musicais.
Gershwin foi influenciado por compositores franceses como Ravel e Debussy, mas também recebeu influências de Alban Berg, Dmitri Shostakovich, Igor Stravinsky e Arnold Shoenberg.
Os bailarinos Fred e Adele Astaire foram dos mais talentosos intérpretes nas suas comédias musicais.
George Gershwin foi um dos mais talentosos e bem sucedidos compositores do Séc. XX e um dos que viveu menos tempo, tendo conquistado o respeito de mestres clássicos tão severos como Rachmaninov e Schoenberg.
Gianni Schicchi

A primeira, Il Tabarro foi composta em 1916 ao estilo parisiense de Grand Guignol – teatro que se especializava em espectáculos de horror naturalista. O compositor considerou apresentá-la conjuntamente com uma ópera anterior, Le Villi mas o libretista Giovacchino Forzano apresentou-lhe dois trabalhos: Suor Angélica (tragédia sentimental) e Gianni Schicchi (comédia).
Em 1917 Puccini compõe Suor Angélica e no ano seguinte Gianni Schicchi completa Il Trittico cuja estreia seria em 14/12/1918 no Metropolitan Opera House em Nova Iorque.
Embora cada uma destas três óperas possa ser vista como uma obra-prima, muito raramente são apresentadas juntas, pois seria um espectáculo demasiado longo para o público normal de Puccini e demasiado exigente para os recursos de uma casa de ópera.
Logo após a estreia, Gianni Schicchi teve sucesso imediato enquanto as outras duas óperas de Il Trittico não foram recebidas com tanto entusiasmo. Tornou-se muito famosa em Itália, principalmente depois do concurso patrocinado por Edoardo Sonzogno em 1890, no qual se destacou Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni (que ganhou o primeiro prémio).
O libretto de Giovacchino Forzano está escrito de forma satírica e sarcástica e baseia-se no canto XXX do Inferno da Divina Comédia de Dante Alighieri. Dante colocou os seus inimigos pessoais e políticos no inferno, entre eles estava Gianni Schicchi que teria falsificado o testamento de Buoso Donati, deixando a maior parte dos bens para a família Schicchi.
Esta é a única ópera cómica do compositor. À dimensão cómica alia-se uma “aguçada” crítica social, num clima em que as personagens são colocadas numa teia de relações controversas e caricatas.
Notam-se aqui muitas referências à Commedia dell’ arte, forma de teatro popular improvisado que começou no séc. XV em Itália e se desenvolveu na França mantendo-se até ao séc. XVIII.
Em 1920 Puccini foi pressionado a apresentar separadamente as óperas de Il Trittico. Segundo ele esta medida desfazia a concepção original em pedaços.
Em 1926 (após a morte do compositor) Gianni Schicchi é novamente apresentada no Metropolitan Opera House mas desta vez separada das restantes partes, que foram substituídas por Il Pagliaci de Ruggero Leoncavallo.
Em 1975 o mesmo teatro de ópera faz reviver Il Trittico na sua forma original.
Recentemente na época de 2008/2009 Il Triticco foi apresentado no Teatro de Los Angeles, com Woody Allen a estrear-se na direcção de uma ópera.
Florença – 1299.
Em casa de Buoso Donati (um alto membro da burguesia), a família chora a sua morte. Na realidade são “lágrimas de crocodilo”, pois o que pretendem é “deitar mãos” à sua herança.
Rinuccio fica eufórico quando encontra o testamento, pois tem esperança que o tio lhe tenha deixado dinheiro suficiente para poder casar-se com a mulher que ama.
Depois de lerem o testamento, a decepção é total: Donati deixou todos os seus bens ao convento de Santa Reparata.
Rinuccio lembra-se que há uma pessoa que os pode ajudar – Gianni Schicchi, um jurista (pai de Lauretta, a sua amada).
Em casa do morto, Gianni Schicchi desentende-se com Zita (mãe de Rinuccio) e pretende ir-se embora mas Lauretta, intervém; apela à compreensão do pai, cantando a ària mais famosa desta ópera e uma das mais belas do repertório italiano: O mio babbino caro.
Enternecido Gianni Schicchi deixa-se convencer com as doces palavras da filha e resolve engendrar um plano. Começam por esconder o corpo do morto, quando são interrompidos pelo aparecimento do Dr. Spinelloccio (o médico) que pretende saber do estado de saúde de Donati.
Gianni Schicchi deita-se na cama do morto e faz-se passar por Donati. Consegue convencer o médico que acaba por ir embora satisfeito com a rápida recuperação do seu paciente.
O plano continua e resolvem chamar o notário.
Gianni Schicchi toma novamente o lugar de Donati e prepara-se para ler o testamento.
Os familiares começam a esfregar as mãos de contentes e tentam suborná-lo, mas o contentamento dura pouco tempo.
Começa então a leitura do testamento, que para espanto e raiva de todos, deixa apenas alguns bens à família de Donati.
O bem mais valioso (a mula, a casa, os moinhos e as empresas) deixa-os ao “seu devoto amigo Gianni Schicchi”.
Indignados, os familiares começam a saquear os objectos que têm ao seu dispor, levam tudo o que podem enquanto Gianni Schicchi os expulsa de casa.
No meio desta azáfama, Rinuccio e Lauretta estão felizes pois podem finalmente casar-se. O casal interpreta aqui um belo dueto amoroso…verdadeiramente apaixonado, em que recordam o primeiro beijo.
A finalizar a ópera e em jeito de piada, Gianni Schicchi vira-se para o público, como que a desculpar-se pelas tramóias cometidas e diz: “Ora dizei-me se os florins de Buoso podiam ter melhor sorte…Por esta minha facécia fui condenado às chamas do inferno. Seja. Mas com licença do grande Dante, se esta noite vos divertiu, concedei-me então a devida atenuante!”
Giacomo Puccini (1858/1924) nasceu em Lucca (Toscânia) numa família que produziu músicos por várias gerações, especialmente músicos de igreja (organistas).
Estudou órgão com o pai até aquele morrer em 1864 quando o compositor ainda não tinha completado 6 anos de idade. Continuou os estudos de órgão com o tio e mais tarde, com 10 anos começa a cantar no coro da igreja.
Aos 18 anos de idade, Aida (de Verdi) desperta nele uma tal paixão, um instinto musical tão forte que Puccini começa a sentir inspiração para compor óperas.
Com 19 anos substitui o antigo cargo do pai como organista na igreja de San Martino.
Alguns anos mais tarde, consegue uma bolsa de estudos concedida pela rainha Margherita e com a ajuda financeira do tio entra no Conservatório de Milão em 1880. No mesmo ano, com 21 anos compõe Messa, (hoje conhecida como Messa di Gloria) que marca o ponto culminante da longa associação da sua família com a música de igreja e antecipa a carreira de Puccini como compositor de ópera.
Em 1883 graduou-se com o Capriccio Sinfónico .
Em 1884 estreia Le Villi, a primeira ópera de Puccini.
Em 1889 a estreia da ópera Edgar que é recebida com alguma frieza.
Em 1893 estreia Manon Lescaut que foi um grande sucesso (o libretto foi escrito pelo próprio compositor).
Por esta altura, Puccini começa a repartir o seu tempo entre o trabalho e a vida no campo. O compositor tinha comprado recentemente uma Villa (Propriedade) em Torre del Lago (perto de Lucca) e dedicava muito do seu tempo à caça e à pesca. É aqui que compõe algumas das mais importantes óperas do seu repertório.
Em 1896 estreia La Bohème, que é considerado um dos seus melhores trabalhos e uma das óperas mais românticas alguma vez compostas.
Em 1900 estreia Tosca que causa alguma sensação. Puccini introduziu nesta ópera o estilo verismo – corrente literária italiana surgida entre 1875 e 1895 a partir das obras de escritores e poetas que constituíram uma escola baseada num conjunto de princípios realista. O verismo é marcado pelo realismo das descrições da vida quotidiana em especial das classes mais baixas.
Em 1904 é a estreia de Madamme Butterfly (foi recebida com alguma hostilidade mas acabou por se tornar numa das óperas com mais sucesso).
Em 1910 estreia La Fanciulla del West (onde se notam algumas influências de Debussy e Richard Strauss).
Em 1917 estreia La Rondine.
Em 1918 estreia Il Trittico, constituído por 3 óperas: Il Tabarro, Suor Angélica e Gianni Schicchi.
Em 1920 Puccini começa a trabalhar em Turandot, mas acaba por morrer em 1924 (vítima de cancro) deixando inacabada a sua última ópera. Foi enterrado em Milão, mas posteriormente transferido para a Villa em Torre del Lago, agora conhecida como: Villa Museo Puccini (mausoléu onde está o corpo de Puccini e o de sua esposa).
Foi Franco Alfano quem terminou Turandot (as duas últimas cenas).
Quando em 1926 Arturo Toscanini (amigo pessoal de Puccini) dirige a estreia da ópera, resolve não incluir a parte de Alfano; a orquestra chegou mesmo a parar no ponto onde Puccini tinha acabado a partitura. Diz-se que as palavras de Alfano foram: “Aqui termina a ópera, pois neste ponto o maestro morreu”. Foi bastante criticado, por este comportamento.
Em 2002 Berio escreve um novo final oficial, mas esse final nem sempre é interpretado. Há quem diga que a versão de Alfano é mais dramática.
Puccini estava entre os primeiros apoiantes do partido fascista, mas não era um fascista activo, no entanto a propaganda fascista apropriou-se da figura de Puccini e uma das marchas mais difundidas durante as cerimónias públicas fascistas era o Inno a Roma composto em 1919 por Puccini.
Foi o último dos compositores italianos de ópera romântica, mas também compôs peças orquestrais, música sacra, música de câmara e músicas para voz e piano.
As óperas mais conhecidas: La Bohème, Madame Butterfly e Tosca demonstram a sua capacidade de captar a atenção do público com grande intensidade dramática. São normalmente histórias baseadas em casos de amor passional, vingança e traição. Algumas das árias que se tornaram mais famosas, são: O mio babbino caro (Giani Schicchi), Che gelida manina (La Bohéme), Nessun Norma (Turandot).
Uma característica em Puccini é o uso da voz no estilo de discurso (canto parlando).
A sua criatividade melódica genial, o gosto pela combinação de vozes de tenor e soprano e o dom de escolher enredos teatralmente eficazes, tornaram-no num dos mais populares compositores de ópera.
Embora tenham sido apresentadas em conjunto, estas duas óperas são bastante contrastantes.
Blue Monday apesar de ser musicalmente bastante alegre, tem um final trágico enquanto Gianni Schicchi é uma ópera mais leve e bastante divertida. Em comum têm o facto de serem óperas de apenas um acto (a primeira tem a duração de cerca de 25 minutos e a segunda dura cerca de 1 hora).
A começar tivemos a ópera mais dramática. As melodias de Gershwin são sempre agradáveis de ouvir…Gershwin é intemporal; falando de Blue Monday pouco mais há a dizer. A música animada e com ritmo é de facto o melhor desta ópera, que termina de forma tão trágica. A história em si não nos traz nada de novo. Sente-se que falta ali qualquer coisa naquele final tão abrupto. Quanto aos cantores, destacou-se Vi (Laura Giordano), com uma interpretação suave e leve.
Logo a seguir ao intervalo começou Gianni Schicchi. Verdadeiramente irónica e trocista, esta é também uma ópera francamente bem-disposta e melodiosa, que tem uma das mais belas árias: O mio babbino caro. Lauretta canta-a com doçura, simplicidade e sinceridade.
O par amoroso Lauretta / Rinuccio,(Laura Giordano e Leonardo Capalbo) sobressaiu com as suas vozes bem timbradas e melodiosas. Gianni Schicchi (Yannis Yannissis) também se destacou com a sua voz segura e com a sua eficaz interpretação cómica.
Deixo aqui uma bela versão de O mio babbino caro, interpretada por Montserrat Caballé: